terça-feira, 19 de junho de 2007

Imita a Gretchen

Nas brincadeiras infantis das décadas de 70 e 80 era a prenda mais temida. Qualquer erro, a mínima derrota, o reles tropeço já era motivo para a punição:
- Imita a Gretchen! – Gritava a molecada.
E lá ia o infeliz rebolar e cantar “conga la conga” na frente da trupe. Nas mais ferozes, o dançarino ainda tinha que colocar as mãos na cabeça e as esfregar pelo corpo, num contorcionismo pretensamente sensual.
Até as meninas eram obrigadas a imitar a Gretchen, deixando claro que era também ridículo para elas a atuação.
Ninguém gostava de imitar a Gretchen. Ninguém gostava da Gretchen. Mas ela estava lá, na tv, para todo mundo ver e ouvir. Qual o interesse do público em um artista como ela, evidentemente má cantora e notadamente feia? O que se acrescia às artes expondo a bunda da moça? Obviamente nada, porém os empresários que a cercavam conseguiram muito crédito vendendo um produto de qualidade inexistente a um público ávido por consumir a arte nacional.
As manipulações mercantis garantiram à Gretchen e seus promotores uma boa féria, restando à cultura o lixo passageiro, afinal, suas músicas não resistiram nem à próxima estação. Ao povo sobrou a brincadeira: - Imita a Gretchen!
Porém, o conceito permanece. Não bastassem as carlas peres, sheilas e rouges (estas não rebolavam mas eram também estranhas), até hoje convivemos com a imposição dos gostos dos donos dos meios de comunicação. Ainda somos bombardeados a consumir produtos que não temos a mínima proximidade. Exemplo: fórmula 1.
Alguém conhece pessoalmente algum piloto profissional de automobilismo? Participa de algum campeonato de corridas de carro? Gosta realmente de correr a 300 km/h?
Mesmo que as 3 respostas sejam positivas, ainda há a principal: por que gosta mais de fórmula 1 do que da fórmula indi, sendo esta muito mais competitiva, interessante, organizada e segura?
A resposta aparece quase todo domingo na tv Globo, na forma de uma efusiva competição entre... empresas automobilísticas milionárias e pilotos filhinhos ricos de papais playboys? Quem, cônscio e opinativo, apreciaria isso? Certamente se o espectador nunca tivesse contato com tal competição, ao assisti-la pela primeira vez, a estranhasse como se hoje visse a pitoresca corrida de “perseguição ao queijo morro abaixo” que acontece na Europa.
Somos tristes cordeiros conduzidos coercitivamente em direção dos interesses da indústria cultural, e como toda indústria sua meta é o lucro e não a responsabilidade social, ou qualquer outro conceito que exima algumas pessoas de escolher por todas as outras.
Há escapatória? Sim, a internerd (mas isso é outro assunto).
No último domingo eu apareceria numa matéria sobre literatura. Coincidiu de ser exatamente no momento da chegada numa corrida. Mudei o canal e a turba chiou – estávamos na casa de um tio. Falei que eu iria aparecer na tv.
- Mas eu quero ver a corrida. – Reclamou o Darse, velho amigo de meu pai.
- Espere um pouco... – Pedi. – Eu vou aparecer.
- A corrida. – Esbravejou.
- Tá. – Olhei para ele. – Mas antes imita a Gretchen.
Ele não entendeu. E eu também não tive paciência de explicar, afinal, ele gostava de fórmula 1 e provavelmente imitava o equivalente da Gretchen de seu tempo. A Vanusa, talvez.

2 comentários:

Roberto Denser disse...

É, meu caro, uso aqui as palavras de Caetano Veloso:

"Tendo direito ao avesso
Botei todos os fracassos
nas paradas de sucesso."

Marcelo Holecram disse...

Tá bom, então imita a Thammy pra gente ver !!!