sábado, 14 de abril de 2007

O êxtase das garrafas vazias

No mundo encantado, todos os objetos são vivos, com sentimentos, prazeres e deveres. Nem todos se movem, mas todos interagem.
As garrafas são um espécime curioso. Nascem peladinhas, são vestidas por um beija-flor, cheias por néctar divino, por fim tampadas para lacrar o nascimento. Está pronta a garrafa.
A vida da garrafa é longa, quanto mais velha mais interessante, porém algumas perdem o frescor. O melhor é sempre conhecê-las em sua melhor época.
A garrafa é um ser indefinido, sem muitas pretensões na existência. Ela tem apenas um objetivo na vida que, por fim, acaba tornando-se o seu prazer, seu hobby, o motivo de sua existência e de sua morte. A garrafa quer uma única coisa: ser bebida.
Ela sente o prazer da penetração quando o saca-rolha se enfia forçosamente entre suas cortiças e arranca o cabaço da tampa como um herói ao refastelar-se com sua amada. E goza languidamente quando é sorvida até o fim, a última gota aguardada ansiosamente, o líquido mágico que eleva ao padrão transcendente, estelar, sem preocupações mundanas, apreciador das artes e filosofias, quanto mais estrambótica e inútil, melhor, até o tremelique final, o ponto alto do amor na relação entre a garrafa bebida e o ébrio satisfeito, encerrado pelo desmaio de bruços nas mesas dos bares e nas esquinas de imundos bordéis. O paraíso para uma garrafa.
Contudo, algumas tem que se resguardar por sua preciosidade, outras pela raridade, muitas somente pelo preço, sempre valorizando o prazer em ser bebida e a vontade de ser paparicada antes e durante o procedimento. Seu fim é seu êxtase, o encontro com sua paz, seu nirvana.
O dever do homem é beber a garrafa para cumprir o destino. Só assim o ciclo energético do objeto, no caso a garrafa, será cumprido e ela poderá unir-se ao todo.
Empreender o dever obrigatório humano, bebendo, sempre, e muito, para finalizar o maior número de garrafas e, assim, elevá-las à Força, é participar do complicado vetor de energias cósmicas que nos faz uno com o universo. Tão simples, tão bom.
- Tão tonto eu fico quando participo do êxtase das garrafas vazias.

11 comentários:

Anônimo disse...

O negócio é ir atrás da próxima garrafa cheia. Muito bom! abraz, RB

Ana M disse...

adorei o devir das garrafas. mas nunca vou deixar que meu ex-namorado leia isso...volta e meia passo por aqui. me dá uma espécie da consolo e ânimo, isso: consolo e ânimo.

jjLeandro disse...

Os linques estão lá no Culturalworld

abcs

un dress disse...

uau!!! :)))

Anônimo disse...

Louco...tú és um louco unido ao todo!

Alê Quites disse...

Cara, gostei do seu espaço.
Voltarei mais vezes.
Abraços

Paulo Fernando disse...

As garrafas cheias são muito mais excitantes que as vazias. hahaha

Mesmo assim, adorei a crônica!

Abraços

Anônimo disse...

Íncrivel... eu tbm fico.
;)

Como vc faz isso?!.. fez a garrafa gozar. que atrevimento.

rsrs

Abrçs

Anônimo disse...

Um belo texto.

Rafael disse...

Esse texto é seu ?
Se for vou virar admirador desse blogue seu.

Anônimo disse...

Daqui pra frente prestarei bastante atenção nas garrafas vazias...principalmente quando já existirem muitas...

o texto é bem escrito, atraente e agradável. Gostei!