segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Sobre o ano-novo e a ressaca

"Se eu não faço nada, fico satisfeito
Durmo o dia inteiro e aí não é direito
Porque quando escurece, só estou a fim de aprontar"
Tédio (com um T bem grande para você) – Legião Urbana

O fim do ciclo solar traz a mesma sensação de um início de noite quando se dormiu o dia inteiro de ressaca: a vontade de aprontar! Ou melhor, de fazer algo construtivo, importante, de reorganizar o tempo e cumprir tudo aquilo que sonhou porém não conseguiu realizar.

Eu já amadureci; não reclamo mais das ressacas nem digo que "nunca mais beberei", apenas me conformo com o estômago provocando uma cisão político-biológica com o resto do corpo. Aceito a ressaca, assim como reconheço que o ano vindouro será apenas mais um ciclo que em não cumprirei minhas metas.

Essa ansiedade em corrigir os pretensos defeitos, para começar uma existência mais plena e feliz, mas somente no ano novo, é a desculpa dos desiludidos. Todos que sonham alcançar o próximo degrau do auto-desenvolvimento renovam as esperanças. Contudo, esquecem que qualquer mudança deve ser gradual e introspectiva. Não adianta fazer "listas de ano novo".

Eu sou um desses desiludidos. Já compreendi que meus defeitos não sumirão, nem no ano novo e nem no dia de São Nunca. Devo conviver com eles e contorná-los, para aprender a sofrer cada vez menos com minhas falhas.

Entretanto, não me abstenho de permanecer um ébrio, tanto das mais deliciosas cachaças quanto dessa idiotice chamada esperança. Em cada ciclo imagino o defeito de personalidade que eu poderia limar ou a característica que deveria absorver; sempre tenho boas intenções. Até a meia noite! Daí para frente só penso em acabar de encharcar a cara de mé!

Quando vier a ressaca do dia Primeiro de 2008 já terei esquecido todas as promessas, não saberei quais planos me dedicar nem como resolver meus problemas (que eu certamente havia solucionado na noite anterior). Não começarei a malhar, nem a estudar, nem controlarei minha língua (e pena) ácida. Não serei paciente, nem dedicado e tampouco deixarei de reclamar sobre tudo. Continuarei cultivando meus defeitos (é claro que na intenção de regá-los cada vez menos) e buscarei não perder as ínfimas virtudes que mantive até agora (como cactos num deserto). Serei o autêntico eu, só que um tantinho mais sábio, afinal, quem não aprende com os erros é um imbecil.

- ô imbecil, se continuar fazendo as mesmas besteiras não subirá o tal degrau no auto-desenvolvimento. – Diria o leitor.

Sim, reconheço, porém não farei as mesmas besteiras. Farei, na verdade, novas besteiras, cometerei outros enganos e praticarei diferentes pecados. Ano novo, bobagens novas. Afinal, sabiamente, precisarei atualizar meu rol de problemas para avaliá-los ao final do ano e resolver corrigir alguma coisa para 2009. O ciclo nunca termina, mas a ressaca, essa sim, uma hora vai acabar.

- Bebamos, então! – Um brinde ao ano novo.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Sobre escritoras, sucesso e o Slug



Escrevi a crônica Sobre escritoras, sucesso e o Slug.

Dêem uma sacada (se quiserem, é claro).

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ps.: este é o post 100 do blog CONTRA-MÃO. parabéns...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A grande obra

Tenho no fracasso

a grande obra de uma vida

(bem desperdiçada)



Já não me garanto

nem nos sonhos escondidos



Soçobra

a realidade enguiçada

de toda decisão errada

escolhida

ou encontrada

por meu cansaço

a cada passo

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O lobo plagiador

Quando o uivo era ouvido na savana, os animais se recolhiam às suas tocas. Não por medo, nem por respeito, pelo contrário. Os animais conheciam aquela besta e sabiam que ele não passava de um papagaio imitador em pele de lobo.
- salvem-se ou seremos vítimas deste fausto canino. – Alardeou a sábia coruja.
- fausto? – Perguntou a coruja filhote, ávida por conhecimentos.
- um ostentador! – Explicou a mais sábia.
A besta lupina costumava arrancar dos outros animais as partes que admirava e as vestia como um carnavalesco deslumbrado na Sapucaí. Penas, chifres, garras, penugens, roubava tudo o que desejava. Gostava de luxo, de elogios, queria ser admirado, porém não se contentava com as próprias capacidades, buscava superar os outros mesmo que precisasse mentir ou enganar.
- vamos sacanear este prego? – Sussurrou a hiena para a cotovia.
- só. – Piou a ave. – Como?
E a hiena contou o plano que logo colocaram em prática. A hiena chamou as fêmeas no cio e delas extraiu muitas gotas de ferormônio. Espalhou o extrato nas penas da cauda da cotovia e a mandou passear perto do lobo. Ele a viu e logo quis imitar aquela ave tão cheirosa. Num ataque traiçoeiro, arrancou as penas da cotovia e as usou para decorar o próprio rabo.
Satisfeito com a nova fantasia, o lobo decidiu exibi-la aos leões, reconhecidamente os mais belos animais.
“Vou arrasar”, pensou.
- lá vem aquele lobo plagiador. – resmungou um velho leão.
- é um idiota. – respondeu o líder do bando, sendo apoiado pelos filhos ao seu redor.
O cheiro do cio das hienas e a beleza das penas da cotovia no rabo do lobo curiosamente atiçaram os leões, que avançaram sobre ele numa curra violenta e consecutiva. Primeiro o líder, depois o velho leão e por fim todos os filhotes copularam com o pobre lobo, que foi abandonado com o rabo ardendo e sem mais nenhuma decoração.
Os uivos sofridos do lobo durante o estupro foram ouvidos por toda parte. Os animais riram a valer. A hiena, contudo, se surpreendeu quando recebeu um pedido secreto do lobo, que atendeu prestimosamente. Ela passou a traficar óleo de cio juntamente com penas de cotovia.
O lobo, travestido e transloucado, passou a circular entre os leões. Seus uivos, então, não causavam mais asco por sua atitude reprovável. Tornaram-se definitivamente a piada da savana.

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em tempos: este é um texto original e autoral. mantenham-no longe dos lobos.

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entenda o caso: http://marconileal.blogspot.com/2007/10/eu-escrevo-tu-copias-ele-publica.html

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Uma coisa que adoro é sarro e que odeio é empáfia

Eu adorava pegar ônibus lotado quando tinha 11 anos. Me encaixava atrás de alguma boazuda e deixava o balanço da condução me levar às nuvens. Tirar um sarro era a diversão comum da molecada. Tive que parar assim que cresci (lá embaixo, entenda). Meu colégio usava como calça de uniforme um moleton, a excitação se tornou inconveniente.

O prazer pelo sarro, contudo, continuou, permitido então pelas meninas atrás da quadra de esportes. O moleton, bem fino e maleável, finalmente foi útil.

Os sarros alcançaram outros padrões. Descobri que importunar os desavisados com uma brincadeira bem pueril era quase tão gostoso quanto engatar o trenzinho nos ônibus.

- que time é teu?

- flamengo.

- hahaha, o flamengo te meteu....

Percebi que perder o amigo para não deixar escapar a piada era passível de reversão com sentidas desculpas ou, melhor, aceitando o contra-sarro.

- ...meteu nada. Bateu na trave e entrou no teu. Ahá!

Etimologicamente, sarro é o resíduo de vinho que permanece na garrafa. Chamam de fezes do vinho. Então, tirar um sarro é na verdade algo como “limpar a bosta”, ou eliminar o resquício de seriedade na situação.

Nestes dias após o rebaixamento do Corinthians à 2ª divisão, me impressionei com a solidariedade das outras torcidas aos sofridos “cadentes”, à exceção da prepotente e mal-humorada plebe flamenguista, que não aceitava os trotes mas agora se limita a limpar a bosta.

- Nessa SEGUNDA-feira expresso meu grande pesar, meu lasTIMÃO, com a ascensão do Corinthians à série B. Os novos patrocinadores corintianos terão trabalho: a RAY-O-VAC, para acender a lanterna; a PHILCO, para melhorar a imagem; a VOLKSWAGEN, para fazer um gol e, por último, a TOYOTA, para sair da lama.

- Pô! – Reclamou meu irmão, o corintiano mais doente que conheço.

- Então vamos rezar pelo ulTIMÃO. Peguem a bíblia em Coríntios 1 versículo 3.

- Chega! - Teve que rir. - Até na bíblia a gente tá perdendo.... queria ver se fosse com vocês...

- Somos a maior torcida do Brasil. - Gabou-se o flamenguista.

Não resisti e me meti:

- Schadenfreude! - Falei. Lê-se "chandenfroide". - É uma palavra alemã para a sensação de prazer que a desgraça alheia provoca. - Expliquei. - Em bom "brasileiro" quer dizer gozar com o pau dos outros.

O flamenguista não gostou. Como sempre, aliás. Eles só querem sentir-se superiores. Quando o time está na pior, a torcida desaparece. Basta, então, o Flamengo ganhar um jogo que se torna o melhor time do país para seus passionais torcedores. Depois criam títulos estapafúrdios como o "recorde de público" ou "patrimônio cultural" e dedicam-se a desmerecer as conquistas alheias, até inventando pentacampeonatos irreais, afinal, em 1987 o Spor foi o campeão pois o Flamengo amedrontou-se em disputar o quadrangular final com os times do outro módulo, a famigerada segunda divisão.

- Xandefroidis é o caralho! - Reagiu o flamenguista. - Vestimos o manto sagrado, seu feladaputa.

A agressividade não me espantou, é o principal recurso dos imbecis. Não me rendi, contudo:

- Teu manto, rubro de vergonha, cobre apenas a empáfia dos medíocre, afinal, o esporte não passa de um divertimento que vocês elevam à primeira grandeza em importância. – Cuspi o discurso de bate-pronto. Como ele não entendeu, resumi: - Pare de tirar sarro. Tua “brincadeira” já cresceu e tá inconveniente.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Uma canção de natal

Eu passeava pelo shopping caçando promoções para presentes. Ouvi uma voz infantil entoando uma canção em ritmo natalino.
- é natal, é natal, pega no meu pau...
- ô moleque, que música é essa?
Ele me olhou e completou.
- tudo bem, tudo bem, pega no teu também...
Tive que rir. E ele continuou.
- hoje a noite é fera, vou com a galera, feliz me masturbar...
Vi que o jovem pentelho queria apenas provocar. Forcei as engrenagens cerebrais e cantei:
- Ao pegar no pinto, pinto pequenino, vem ao dedo mínimo se comparar...
Foi a vez dele rir.
- Você é poeta? - Perguntou.
- Não. - Suspirei. - Sou punheteiro mesmo...