domingo, 12 de agosto de 2007

Consciência Venenosa

From: jomarcarvalho
Date: 06/08/2007 11:00
Subject: matador dos velhos de goiás
To: maobranca

O assassino dos velhos em Pirenópolis está em São José do Rio Preto, SP. Ele veio de carona num caminhão de pedras. O motorista não sabia, é meu amigo. Me pediu para avisar a polícia, tá inseguro. Decidi antes te mandar esta mensagem.

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Contemplei o email por vários minutos. O anúncio de “matador de bandidos” no fórum de direitos humanos na internet dava resultados. Pessoas descrentes com a justiça pediam vingança. Eu comprovava a veracidade dos dados antes de qualquer ação, me borrava de medo de ser investigado pelos meninos da lei.

De um cybercafé respondi ao paulista que não tinha tempo de procurar o vagabundo por toda a cidade. Ele retrucou dizendo que o mala perambulava bêbado pela praça Jardim Vivendas. Botei na mochila duas garrafinhas de cachaça e parti de moto para São Paulo.

O vento invadia o capacete assoviando uma inconstante sirene. A estrada nova estava repleta de pedágios e barreiras policiais. Fiquei satisfeito por não levar as armas. E também por encontrar desvios dos pedágios nas trilhas paralelas à pista. Meu coração anarquista não admitia pagar outra taxa além do IPVA.

Na cidade segui as placas direto à praça. Não foi difícil encontrar o tal Ricardo esparramado num banco. Ele vestia calça jeans, camiseta e chinelo de dedo, a mesma roupa de quando foi avistado num matagal perto de Pirenópolis. A complexa operação tática a polícia não o capturou, mas colheu informações que vazaram para mim através de um amigo meganha que também prefere os justiciamentos.

Observei o sacana de longe por um bom tempo. Ele mendigava uns trocados, bebia uma pinga no boteco da esquina e voltava ao banco da praça. Segurava a cabeça apoiado com os cotovelos nos joelhos, depois olhava para o céu e apertava os olhos. Parecia sofrer por algum problema. Sua consciência não estava limpa, é claro, mas me surpreendi ao perceber que ele podia estar se punindo pelo assassinato.

Aproximei-me. Haviam poucas pessoas ao redor e todos os outros bancos estavam vazios. Ele se exaltou receoso. Sua desconfiança logo se esvaiu quando viu o baseado pendurado na minha boca. Sentei ao seu lado e o cumprimentei com a cabeça fingindo desinteresse.

- Tem fogo? – Pedi para disfarçar.

- Não fumo.

- Não te perguntei se fumava. Perguntei se tem fogo. – Bradei e me arrependi em seguida. Eu devia ganhar a empatia do sujeito ainda que quisesse esganá-lo ali mesmo.

Arranquei com uma mordida a ponta de papel do baseado e a cuspi quase aos pés do canalha.

- Hei. – Reagiu.

- Foi mal.

Tirei do bolso uma garrafinha e bebi uma talagada da cachaça. Percebi de soslaio que Ricardo acompanhou meus movimentos.

- Quer uma dose? – ofereci.

Ele aceitou e mandou para dentro. Devolveu a garrafinha que guardei na jaqueta.

- Onde eu compro fósforos por aqui?

- No boteco. – Apontou o local onde eu o vira bebendo. Ao lado havia um armazém de produtos agropecuários, elemento perfeito no plano para apagar os vestígios da minha presença.

- Aí, mermão. – Cocei o joelho. – Você compra um fósforo para mim? Tô com um problema na perna.

Ele ficou desconfiado. Dei o último gole na garrafinha.

- Aproveita e enche. – Estendi uma nota de cinco pilas e pisquei sorrindo.

Ele pegou a nota e a garrafinha.

- Cara, passa no armazém e compra um pacote de veneno de rato também. Preciso me livrar de uns sacaninhas.

Fiquei observando o assassino entrar no bar, depois no armazém e voltar até o banco. O idiota não sabia que estava criando as provas do próprio suicídio.

- Ó. – Deu-me um pacote de veneno Ratol, fósforos e a garrafa cheia. Destampei e mandei uma beiçada. Guardei as coisas no bolso externo da jaqueta.

- Valeu.

Risquei um palito e acendi o baseado. Traguei profundamente e prendi no pulmão. Quando soltei, a fumaça parecia uma cobra azul serpenteando em direção ao sol. Puxei a garrafinha que estava no bolso interno da jaqueta e a ofereci sem tampa ao assassino. Ele deu um grande gole.

- Manda mais. – Incentivei. – Como pagamento por sua gentileza. – Ele bebeu outra boa dose. Continuei fumando sem oferecer, não queria gastar minha erva com um cadáver ambulante.

Guardei a garrafa que ele me devolveu e tirei a outra do bolso de fora da jaqueta. Não sei se Ricardo viu esta troca, já não importava.

- Sabe, - traguei novamente. – o Ratol que você me comprou é muito bom, composto à base de chumbo, mas prefiro o veneno Mão Branca, que tem um percentual maior do agente tóxico. Quando entra no estômago da vítima é morte certa. – Bebi um gole. – Tem ação mais rápida quando diluído em álcool. Em poucos minutos a vítima sente uma queimação na barriga.

A mão que ele levou ao estômago pode ter sido um reflexo sintomático, mas achei que já sentia algo diferente.

- Logo sente as veias em fogo e começam as convulsões, mas a morte ainda demora quase uma hora. É puro sofrimento. – Puxei a última tragada e dei um piparote na bituca. – Igual à dor dos parentes de Cirilo e Ceci, os velhos que você degolou em Pirenópolis.

Minhas palavras atingiram Ricardo como um soco. Ele abraçou a barriga e simulou uma ânsia de vômito. Seus olhos perderam o foco. O Mão Branca que eu havia colocado na garrafinha reserva já havia sido absorvido e queimava as entranhas do assassino. Ele começou a tremer e saliva escorreu pela lateral da boca.

- Cheguei a pensar que você estivesse arrependido. Talvez até esteja, mas ninguém saberá. Não importa. O que você fez não tem perdão. – Aproximei o rosto do moribundo. – Manda um oi pro capeta, seu merda.

Coloquei o pacote de Ratol em suas mãos. A polícia ligaria as pistas e concluiria que ele se suicidou por dor de consciência. Ter comprado cachaça e veneno nas lojas ao redor seria a comprovação irrefutável. Dias depois li no jornal a notícia de sua morte com o título “assassino comete suicídio”.

A única pista que poderia me identificar seria a garrafinha com o veneno. Nem a placa da minha moto ficou registrada nas filmagens dos pedágios. O IML não faria uma autópsia para saber se o veneno no bucho do bandido era o mesmo encontrado em suas mãos. Voltei para Brasília acelerando a moto, eram apenas três horas da tarde.

3 comentários:

Poesia Maloqueirista disse...

salve M.B!
desculpe por ainda não ter respondido sobre a proposta do e-zine (foi vc que mandou e-mail?), muita correria nos últimos dias e tinha editor da revista viajando, não dava pra decidir nada à princípio, mas responderemos seu e-mail nos próximos dias...Valeu,
abço!!!

MPadilha disse...

Esse cara é meu ídolo. Eu li esse conto de primeira mão, digo isso de barriga cheia de orgulho. Adorei, como sempre. Cheio de safadeza, um justiçeiro a La Me Morte. Caralho! Pago pau pra esse doido,kkk...Beijos

Carlos Cruz disse...

Boa, Chefe.